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Legislação, Direitos e Etnicidade na Saúde: o Caminho da Diversidade no SUS

A história da saúde no Brasil é também a história de um país que, pouco a pouco, aprendeu a reconhecer sua própria pluralidade.
Um país formado por povos originários, comunidades negras, migrantes, populações tradicionais e tantas outras expressões da diversidade humana não poderia construir um sistema de saúde que fosse neutro ou homogêneo.
O percurso legal e político que levou à consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) reflete justamente essa busca por um modelo que, ao mesmo tempo, seja universal no direito e singular na atenção, capaz de enxergar as desigualdades históricas e os modos diferenciados de viver e de cuidar.

A Constituição Federal de 1988 marcou um novo capítulo na história brasileira. Após décadas de autoritarismo e exclusão, o texto constitucional inscreveu a saúde como direito de todos e dever do Estado (Art. 196), rompendo com o antigo modelo assistencial.
O artigo 231 reconheceu os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras e modos de vida, incluindo suas práticas culturais e de cuidado — inaugurando o reconhecimento do direito à diferença dentro do campo da saúde pública.

Dois anos depois, as Leis nº 8.080 e nº 8.142 de 1990 regulamentaram o SUS.
A primeira estabeleceu os princípios da universalidade, integralidade e equidade; a segunda garantiu a participação popular por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde, essenciais para que movimentos sociais e grupos étnicos pudessem influenciar políticas públicas.
Essas leis criaram a base para o surgimento de políticas de equidade racial, indígena e de gênero nas décadas seguintes.

A Lei nº 9.836/1999 (Lei Arouca) criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), reconhecendo a necessidade de modelos diferenciados de atenção que valorizem as práticas tradicionais e a organização social dos povos indígenas.
Em 2002, a Portaria nº 254 instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), consolidando a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e o princípio da atenção intercultural.

Com a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2003, o racismo passou a ser reconhecido como determinante social da saúde.
Em 2006, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), regulamentada pela Portaria nº 992/2009, que propôs a inclusão do quesito raça/cor nos sistemas de informação e o enfrentamento do racismo institucional nos serviços de saúde.

Em 2011, foi lançada a Política Nacional de Saúde Integral LGBT (PNSILGBT), garantindo o direito ao uso do nome social e ao processo transexualizador no SUS.
Em 2015, a Lei nº 13.146 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) assegurou acessibilidade e atendimento humanizado.
A Portaria nº 2.436/2017, que atualizou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), reforçou a proibição de qualquer discriminação por raça, gênero, etnia ou condição socioeconômica, reafirmando a equidade como princípio ético do SUS.

Na década atual novas diretrizes também fortaleceram o enfrentamento do racismo institucional e a inclusão de populações quilombolas, ribeirinhas e ciganas nas políticas públicas.

O percurso legislativo da saúde no Brasil mostra que cada norma representa um avanço civilizatório: da universalidade do SUS à incorporação da diversidade como valor.
A Constituição de 1988 plantou a semente, as Leis Orgânicas deram estrutura e as políticas específicas — indígena, negra, LGBT+, de deficiência e integrativas — deram corpo e alma ao ideal de um sistema de saúde verdadeiramente plural.
O desafio agora é consolidar o que foi conquistado: tornar a diversidade não apenas um princípio jurídico, mas uma prática cotidiana em cada unidade de saúde do país.

 

 

Quadro-Resumo Cronológico dos Marcos Legais e Políticas de Diversidade em Saúde

Ano / Norma Instrumento Legal Contribuição para a Diversidade e Equidade
1988 Constituição Federal Reconhece a saúde como direito universal e os direitos originários dos povos indígenas.
1990 Leis nº 8.080 e 8.142 Criação do SUS e dos Conselhos de Saúde; institucionaliza a participação social e a equidade.
1999 Lei nº 9.836 (Lei Arouca) Cria o SasiSUS e consolida o atendimento diferenciado aos povos indígenas.
2002 Portaria nº 254/2002 Institui a PNASPI e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
2006-2009 Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Portaria nº 992/2009) Enfrentamento do racismo institucional e inclusão do quesito raça/cor nos registros de saúde.
2011 Política Nacional de Saúde Integral LGBT Garante o uso do nome social e o processo transexualizador no SUS.
2015 Lei nº 13.146 Estatuto da Pessoa com Deficiência; garante acessibilidade e respeito à autonomia.
2017 Portaria nº 2.436/2017 (PNAB) Reforça o princípio da não discriminação em todos os serviços de saúde.
2020+ Novas diretrizes Amplia o reconhecimento dos saberes tradicionais e o enfrentamento do racismo institucional.

Referências Oficiais

1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988.
2. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde. DOU, 1990.
3. BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Participação da comunidade na gestão do SUS. DOU, 1990.
4. BRASIL. Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999. Cria o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. DOU, 1999.
5. BRASIL. Portaria nº 254, de 31 de janeiro de 2002. Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. DOU, 2002.
6. BRASIL. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Aprova a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. DOU, 2009.
7. BRASIL. Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. Institui a Política Nacional de Saúde Integral LGBT. DOU, 2011.
8. BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. DOU, 2015.
9. BRASIL. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a PNAB. DOU, 2017.
10. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. 2ª ed., 2018.